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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Pensamentos em Palavras

Aqui alguns poemas, contos e crônicas ainda não publicados.

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Uma desculpa para acabar o mundo

Pralguns o pseudo fim do mundo teve um ar de liberdade,
uma desculpa pra se dar o direito de mudar de vida.

O zé motorista de ônibus por exemplo não foi trabalhar, pois depois de ouvir "O dia em que a terra parou" de Raul Seixas, imaginou que ninguém iria trabalhar também e assim sendo pensou: -Pô se o mundo vai acabar eu quero pelo menos estar com minha família!

O Claudio que tinha por ofício lixeiro, simplesmente abandonou o caminhão na rua no meio do trabalho e foi pra casa da mãe lhe dizer o quanto a amava.

Até a Alice que trabalhava no Paraíso, mas num trabalho que não tinha nada de mundo das maravilhas, decidiu que não atenderia nenhum cliente, afinal não queria correr o risco de passar o fim do mundo com um velho imundo lhe babando inteira, ficou em casa e assistiu o filme que mais gostava, não procurou sua família, pois já não tinha mais ninguém...

O porteiro seu Augusto, chamou seu patrão o sindico do prédio até a portaria e lhe deu um soco no meio da cara e depois de lhe cuspir a face disse: -Fica com seu prédio de bosta seu escroto, eu vou ser feliz! E antes que eu me esqueça negrinho imprestável é o caralho seu filho da puta!

Genival contou pra família inteira no jantar que era Gay e saiu pra dançar...

Maria a beata, saiu pelada pela rua e tomou banho no chafariz da praça com mais meia dúzia de muleques de rua que também gostaram da idéia.

Pra essas pessoas de fato o mundo acabou, pois depois dali novas pessoas se tornaram e a realidade nunca mais foi a mesma.
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Ilha deserta

Não foi exatamente perdidos que nos deparamos ali, é certo que foi por meio de um processo bastante complicado, mas não necessariamente perdidos, apesar de sermos só nós dois naquele lugar inóspito.
O fato é que vínhamos de uma viagem relativamente longa, cheia de altos e baixos, e povoada por momentos de intensa calmaria e extrema turbulência. E foi depois de uma dessas turbulências que ali caímos.
Cada qual com seus machucados, uns mais graves, outros mais leves, porém ambos feridos.
Não sabíamos, mas éramos ainda estranhos um ao outro, porém é nos momentos difíceis que surge a solidariedade, a cumplicidade. Ajudei-a à tratar de seus ferimentos, e ela também curou os meus, e na condição que nos encontrávamos nenhuma chaga era apenas física. Logo a cicatrização dependia sempre de muita paciência e um profundo cuidado.
Nos primeiros meses tudo ocorreu bem, tínhamos o básico para sobreviver e gozávamos de uma tranqüilidade que não era rotineira em nossas vidas, pois estar ali nos fazia abrir mão de uma série de fatores que até então nos pareciam essenciais, como os amigos, a família, as refeições requintadas, nem TV possuíamos...
Mas com o passar do tempo fomos tratando de construir o que não tínhamos, à nosso modo é claro, já que a vida no limite não parecia nos dar muitas opções, e como ali o tempo passava devagar, acabamos por nos ocupar em criar uma vida razóavel pra gente.
Nem tudo deu pra resolver, mas passamos a comer melhor e a convivência nos ensinou à amizade, e nos brindou com um amor. Ainda tímido, mas evidente. Também, parecia óbvio que mais dia menos dia isso iria acontecer, já que éramos só nós e nossos espíritos ali, se defrontando, se refletindo, assim sendo, ou nos mataríamos ou acabaríamos apaixonados, e nesse caso ainda bem que conseguimos fazer brotar o amor.
E foi desse amor que vieram os filhos, e foram os filhos que foram nos ensinando a fortalecer o amor e a reparar como o tempo passava rápido.
Eu, percebendo que já estava ali há muito tempo, decidi que tentaria sair, precisava respirar outros ares, precisava reencontrar vida para além daquele lugar, mas ela achava que mesmo com as dificuldades tudo estava estável e não queria mais correr riscos. Já eu tinha cada vez mais certeza que não podia me conformar em passar o resto dos meus dias ali, só ali. Tentei então propor à ela um pacto, firmando que mesmo saindo sempre voltaríamos, entendendo aquele lugar como sagrado e parte da nossa história.
Ela não quis, não sabia mais viver outra vida que não aquela, porém a cada dia pareciam mais evidentes as dificuldades, a escassez de recursos, a insalubridade do espaço para as crianças, nossas constantes brigas...
Foi então que num dia de sol sequei as lágrimas, juntei as forças, o resto do que tinha e saí, me recordo bem, tinha nome de ilha nosso prédio. Edifício Cabo Verde.
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Corte seco

Ele observava os pingos da chuva escorrendo na janela do ônibus. Ouvia Elomar no meio do caos urbano, parecia cena de filme: "Joana, vem ver, os sapinhos tão cantando tiranas de bem querer". Por um instante transportou a chuva cinza do trânsito de São Paulo para o terreno seco do solo nordestino. A poeira subindo, a lama empoçando, o verde apontando no horizonte.
Corte seco. Freada brusca põe o cidadão de volta no seu lugar, pensa no atraso, na impotência de seus próprios passos naquela situação. Olha novamente para os pingos da chuva escorrendo no vidro e reflete se não é sua própria vida que se esvai lentamente, dia-a-dia no fluxo da rotina.
É tomado então por um fúria libertina, dá sinal e sai empurrando todo mundo até sair do ônibus lotado. Começa então a despir-se do uniforme da empresa, joga a mochila fora e deita-se no canteiro central da Avenida paulista. Olha para o céu e percebe quase em câmera lenta os pingos da chuva banhando sua face. Sente uma sensação de quase morte, mas ao mesmo tempo uma enorme redenção.
Corte seco novamente. Uma senhora da-lhe um forte empurrão: -Oh rapaz, num tá me ouvindo?! Fecha esse vidro direito!!! Ta respingando em mim! Tira os fones de ouvido, fecha a janela e seca o rosto com a manga da blusa, pensa alto: -Que belo sonho!
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Pedro, Pedra d'agua

Pedro se riu todo
quando o tropeço d'agua
despencou em tempestade
lavando as almas dos homens das beiras.
humedecendo mulheres e ruas inteiras
Bateu asas quando viu em vento
as barracas das feiras mais leves que papel sendo sopradas
Pedro, muleque safado
no ar veio birrento levantando saias e devastando sacadas
e enquanto partia sacou seu bodoque
e deixou seu detalhe na vidraça do coração de Maria
Pedro se ria, pois como um cúpido
corrompeu a menina e foi também corrompido!
Eh Pedro muleque atrevido!
traz na face sempre um riso menino
Pedro, Pedra d'agua
tilintando na superficie do rio da vida
criança sabida...
nunca soube da existência da mágua
sentimento que dele de nacença lavaram...
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Estiagem

Há muito que não vejo suas letras,
escondidas atrás de tantas tretas
toda inspiração expira.

Saudade dos sentidos trocados
dos versos malvados que sempre
acertavam em cheio mesmo os
mais despreocupados...

Aquela caneta insana que dizia buscar alento
longe dos tormentos sociais, não me parece tranquila.

já não fala nem de amor, nem de concreto,
já nem fala, calado apenas transmite a mutação

O poeta repousa, e muitos esperam afoitos seu despertar.
pois sabem que algumas coisas apenas ele pode dizer,
apenas sua mente pode pensar...

Em estado de latência
o homem estuda sua existência
e eu apenas aguardo!

Sei que em breve nos reencontraremos
sob os caminhos da poesia,
quando nos tomar de assalto o tempo da calmaria

Quando for o momento, espero rever teus sonhos
que sei não estão mortos.
Apenas navegam absortos em mares bravios.

Ei de rever a renascença do cio,
poesia vivida em fluidez e desvario!
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Íconoclasta

Aqui, agora. Re-trato o corpo que antes distratei.
Distraído em tuas curvas
navego em mim as águas turvas da consciência.

Eram só palavras, era só a mão, a pele, a boca...
já era!

Libertei Pandora e naquela caixa amei quimeras.
Já era, já é!
Paixão descartável como os lençois.
A fé do fogo sobre nós, a vóz...

Basta! Basta apenas guardar na retina
a imagem clandestina da sua carne
uma fotografia que desafia a felicidade.

Frenesi, fuga, afeto, frisson...
No som em baixo volume a melodia de outrora
do agora, de tudo, resta a restia de luz neon.
Que da janela destaca em meu pescoço
a cor sangrada do teu baton.
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SECURA

Nos lagos congelados da Rússia a água falta,
nos solos rachados dos sertões brasileiros a água falta,
nas torneiras das metrópolis Norte Americanas a água falta,
na margem dos rios africanos a água falta.
A secura resseca os lábios do mundo, a alma do homem.
O peito respira o medo, perdido na poeira do tempo,
olhos úmidos, vida dura de da dó
me resgata a prosa impura do caicó.
O pássaro negro é a atmos-fera
que faz voltas aspirais sobre os homens,
de tocaia espera o momento de devorar o que sobrou...
Mas o que sobrou?
O que essa antinatureza de pobreza corpórea, de espectro simplória,
deixará à qualquer carniceiro do futuro? À seus filhos?
Uma letra no muro despedaçado das lamentações...
O QUE FIZEMOS DE NÓS?!!!

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